domingo, 26 de setembro de 2010

A nova geração

Cuide bem da sua audição
            Se para quem já nasceu com algum tipo de deficiência auditiva é difícil lhe dar com “nosso” mundo, pior ainda é alguém, que pertencia à realidade dos ouvintes, ter que se acostumar ao mundo sem som. E acredite isso vai se tornar muito comum em alguns anos. E nem serão necessários muitos. Fonoaudiólogos, médicos e mães alertam: Som alto pode deixar surdo. E não é exagero.
Você provavelmente já observou que os seres humanos têm a tendência de perder a capacidade auditiva ao decorrer da vida. Já ouviu falar em um repelente sonoro contra jovens? É real! Ele emite um som em uma determinada frequência que só os mais novos podem ouvir. Esse som causa um desconforto. Os apitos para adestramento de cães seguem o mesmo modelo, os nossos amigos caninos ouvem, mas nós não. Isso acontece por que os cães têm uma audição mais sensível que a nossa, isso os torna capazes de ouvir frequências sonoras inaudíveis para nos seres humanos. A desvantagem para os cães é que o limite da dor para eles é mais baixa que a nossa, já reparou como os cães ficam assustados com o som de foguetes? É por isso. De acordo com pesquisas, os seres humanos têm um limite que, em média, é de 120 decibéis, (o som de um avião a jato beira 130 decibéis) ouvir um som a partir dessa faixa causa dor.
Pense que você está prestes a entrar em uma boate. Não há desconforto nenhum acusticamente falando. No momento em que você entra, sente uma pressão no interior do ouvido, muito semelhante ao que sentimos quando estamos mudando de altitude (como subir ou descer em uma serra a caminho da praia). Além de se sentir um desconforto por causa do som alto. Isso ocorre por que dentro do ouvido existem músculos especiais que se contraem ou relaxam para proteger o interior do ouvido. No caso da boate, quando o som aumentou repentinamente, esses músculos se fecham de uma vez para tentar evitar algum dano. É válido ressaltar que essa contração muscular não é uma defesa 100% eficiente. Depois de algum tempo, seu organismo se acostuma com o barulho, e os músculos acabam sofrendo um leve relaxamento. E é essa quantidade de som em excesso que prejudica a audição. Não, não vou fazer apologia à aniquilação de boates. Até por que, a fonoaudióloga Marizelda Medeiros explica que ir a uma balada uma vez ou outra não vai te deixar surdo de repente. O grande perigo hoje cabe até no bolso: o fone de ouvido.

Haaaaam? O que você disse?

A ideia do fone é até boa. Você o usa, encaixando-o na orelha, e pode se deslocar ouvindo o que quiser, onde quiser e quando quiser sem incomodar ninguém. Só um pequeno detalhe: o som é jogado diretamente no seu ouvido. E é esse o problema
Imagine que você vai sair de casa, às seis horas da manhã, para ter uma bela de uma aula em plena segunda-feira. Você liga seu MP4, (ou MP3, MP7, MP9³², não importa) põe seu fone de ouvido, ajusta o som de modo que fique confortável nem alto demais, nem baixo demais, e sai de casa. No caminho, outros ruídos iram te incomodar, é a poluição sonora, muito comum em grandes cidades. Quando você percebe que não consegue ouvir nem seus próprios pensamentos, tende a aumentar o som. “A pessoa não se contenta em ouvir o som, ela tem que ouvi-lo alto”, diz Marizelda. Como esse som é jogado diretamente para dentro do seu canal auditivo, e em relação a todo o barulho ao seu redor, você nem percebe o quanto alto ele pode estar. E isso danifica demais a audição, por que pode existir um costume, como o de ir e voltar da aula de segunda a sexta ouvindo música. E é o uso repetitivo que causa dano.
Além do exemplo da boate e do fone, outro fator que vem prejudicando ouvidos próprios e alheios (até por que o fone só você que ouve então o problema é só seu) é a tendência de se instalar aparelhos de som possantes em carros. A principal serventia é para o exibicionismo (é como se fosse o rabo do pavão). Em um estacionamento na Rua Primeiro de Maio, no Centro da pequena cidade de Igarapé, é comum que aos domingos aconteça uma reunião de donos de carros com aparelhos de sons potentes. O que começou pequeno está crescendo e pessoas de cidades próximas como São Joaquim de Bicas e Betim, já aparecem por lá. Pra quem não sabe, nesses eventos os donos dos aparelhos disputam entre si para ver qual é o mais potente. É impossível se quer prestar atenção em uma música isolada.
Para que nenhum amante de competições sonoras perca a audição, é só não comparecer lá todo fim de semana. Mas não seria má ideia promover uma rotação do evento. Imagine o incomodo dos vizinhos que todo domingo, gostando ou não, tem que ficar no meio da disputa.

Fechando com lição de moral

Sem querer fazer drama. Mas uma vez perdida, a audição nunca é recuperada plenamente. O uso de aparelhos auditivos pode ajudar e dependendo do caso uma cirurgia pode valer também. Só que ela nunca será a mesma. Não queira dar valor a ela só depois que a perder.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Educação e informação, direitos básicos a qualquer um

Quando nascemos somos atirados em um mundo de sinais. O mais importante deles é o fenômeno da comunicação. Foi graças a isso que seres os humanos chegam onde estamos hoje. Até aí nenhuma novidade. Mas existe um grupo, que está à margem dessa integração. E não é um país fechado por um governo ditatorial, ou uma comunidade religiosa extremista. Estes indivíduos não escolheram isso, mas tem que aprender a viver assim. São os deficientes auditivos, ou surdos.

Você provavelmente não se lembra, mas aprendeu a falar porque teve exemplos ao seu redor. Uma criança surda não aprende a falar desse mesmo modo porque não consegue ouvir. Segundo a fonoaudióloga Marizelda Medeiros, todas as crianças brincam fazendo sons, elas além de ouvirem a si próprias, ouvem também as vozes de pessoas próximas, começa logo no terceiro mês de gestação quando o aparelho auditivo se forma, e isso ajuda na sua familiarização com o idioma. O mesmo ocorre com uma criança deficiente auditiva, a diferença é que ela para de brincar com os sons aos seis meses aproximadamente, porque não ouve nem mesmo a própria voz. Analisando dessa forma, é possível entender porque o conceito de surdo-mudo é incorreto. O surdo só não é capaz de falar, porque não aprendeu, não teve exemplos para isso. Este é o grande problema. Segundo Marizelda, a aprendizagem de um idioma é incompleta para um surdo por que ele não tem retorno ou “feedback”, que influencia também para aprender inclusive a escrever, ler e interpretar. Se você está lendo esse texto muito provavelmente não nasceu surdo.

Só não pense que por isso o deficiente auditivo está fora do processo de comunicação. Todo surdo acaba por criar um conjunto de sinais para se comunicar com as pessoas próximas. O problema é que esses sinais são únicos e não serão entendidos fora do grupo e provavelmente por outro surdo em igual situação. Para facilitar a comunicação entre eles, foi desenvolvida a Língua Brasileira de Sinais (Libras) que é ensinada aos surdos quando eles entram em uma escola, não necessariamente especial.

Apesar do nome, a Libras não é uma extensão do português. É um idioma único, inspirado na língua de sinais da França, que também não tem relação nenhuma com a língua francesa. Não é universal, a linguagem de sinais varia tanto em escala global quanto regional. Um mesmo sinal pode servir tanto para coreanos quanto para uruguaios, mas outro usado em Minas Gerais pode não ter sentido em Santa Catarina, por exemplo. Uma curiosidade na Libras é a sua simplicidade. As estruturações frasais são pobres, mas geram entendimento. Por exemplo, em uma língua seguindo a norma culta diríamos: “Vou ao cinema hoje”. Em libras seria assim: “Eu cinema hoje”. Escrevendo pode parecer estranho, mas na comunicação direta (real objetivo da Libras) gera entendimento.
É garantido por lei, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) capítulo V, artigo 58, § 1º, que um surdo deve ser acompanhado por um intérprete, quando está em uma escola regular, e quando está sendo avaliado em vestibular, concurso público etc. Mas isso nem sempre é obedecido no Brasil.

Formatura do Arthur do 3º Período (arquivo da família)
Arthur Amaral nasceu com deficiência auditiva profunda. Com dificuldades em se comunicar era uma criança muito nervosa. Seguindo a orientação de Marizelda, sua mãe, Miriam Amaral, o matriculou em uma escola com dois anos de idade. A intenção era fazer com que Arthur estabelecesse contato com outras crianças, o que ajudaria em sua socialização. Durante sua alfabetização, Miriam começou a ter problemas. “Quando começou a ser alfabetizado comecei a ter problemas na escola porque a mesma não estava preparada para isso e ele não queria mais frequentar a escola e a exclusão começou aí”. Arthur não queria mais ir para a escola. Foi quando Miriam resolveu procurar outra escola que atendesse as necessidades dele. “Encontrei uma escola regular da rede municipal, onde havia 12 crianças surdas. Começou a estudar, a reconhecer o seu mundo e ser alfabetizado. Vi no rosto dele a felicidade de encontrar crianças iguais a ele.”


Já que o deficiente auditivo tem dificuldade em entender o português (ou inglês, francês, tailandês ou outra língua qualquer), existe a dificuldade em adquirir informação. Pelo rádio é totalmente ineficiente, já que ele utiliza exclusivamente linguagem oral. Mídias impressas se mostram ineficientes, é como dar um texto em espanhol para uma pessoa que só sabe o português, ela pode ate entender alguma coisa, mas pode não ser suficiente para que ela entenda o texto. Pela televisão também não satisfaz por que apenas imagens não passam mensagem alguma se veiculadas sozinhas, experimente assistir um telejornal sem som. E até a Internet não é 100% eficiente. E tudo isso por que a linguagem não os favorece. Qualquer idioma de qualquer país será como uma segunda língua para um deficiente auditivo. Miriam conta que durante a alfabetização de Arthur teve de usar de diversos recursos para ajudá-lo: “Nas atividades recortava várias figuras para que ele tivesse o contato visual e memorizasse facilitando assim a sua aprendizagem”. Marizelda diz que o melhor jeito de ensinar uma criança surda é valorizando os recursos visuais. Como existem muitos fatores abstratos na estruturação de um idioma que são impossíveis de serem apresentados de forma concreta, estes são muito difíceis, quase impossíveis, de serem passados a um surdo.

Para facilitar o acesso do deficiente auditivo à informação, foi apresentado o projeto de lei nº 683/2007, pelo Deputado Federal Ciro Pedrosa que prevê a veiculação de programas adequados às necessidades dos deficientes auditivos. Isso inclui principalmente os grandes telejornais do Brasil. Já existe na Rede Minas, um telejornal, o Jornal Visual, que ja utiliza a Libras sem nunca ter sido obrigado por lei alguma. Sendo o único em Minas Gerais nesses moldes.

Ultimamente, alguns partidos políticos estão usando a Libras em suas propagandas já que somente legendas são ineficientes. É a melhor maneira de repassar suas propostas a aproximadamente 166.400 brasileiros com problemas de surdez (Censo IBGE 2000). Segundo o Censo de 2000, aproximadamente 900 mil pessoas declararam ter grande dificuldade para ouvir. Nos próximos anos a perda de audição só tende a aumentar, só que isso é uma outra história.